Não adianta fazer tudo igual. O produto, a embalagem, o preço, a venda e a comunicação também devem ser diferentes
O Marketing segmentado no Brasil é muito recente na história desta ciência, que tem registros de nascimento na década de 1950, nos Estados Unidos. Os produtos e a comunicação sempre foram, e continuam sendo, demasiadamente massificados. Temos duas razões para isso. A primeira é que a grande maioria da indústria e dos serviços ainda não percebeu o ganho que teria se olhasse cada consumidor como um indivíduo único, com necessidades e desejos diferentes. Em segundo está a falsa crença de que é muito mais barato atingir milhões de potenciais compradores pelas mídias de massa, principalmente pela TV.
Somente agora, na virada para o século XXI, que empresas como Nestlé e Kraft e varejistas como Pão de Açúcar e Carrefour passaram a olhar as particularidades do Brasil com lupa. Note que estamos falando de empresas multinacionais. São as grandes que mandam quando o assunto é Marketing e comunicação massificados. Aqui, por mais básico que seja, gostaria de fazer um parênteses porque ainda há quem faça confusão. E isso não pode mais acontecer. É rápido: Marketing é o que se faz para vender, o que inclui os famosos Produto, Preço, Praça e Promoção. Não confunda Marketing com Comunicação, que é uma parte da Promoção. Marketing, como já falamos aqui, é holístico.
Voltando… As empresas brasileiras, infelizmente, não estão incluídas pelo simples fato de termos apenas uma grande companhia de bens de consumo nacional, a Hypermarcas. Serviços? Temos grandes com atuação pelos quatro cantos do país, como a Oi. O que temos em nossa nação é uma característica singular. As pessoas e seus hábitos de consumo mudam radicalmente de região para região, como se fosse um outro país. O sudeste é totalmente diferente do nordeste, o norte não tem nada a ver com o sul e, mais: São Paulo é totalmente diferente do Rio, e mais ainda, os bairros destas cidades são completamente diferentes um do outro. Basta olhar para as pessoas: o seu vizinho não é bem diferente de você?
Para cada um, um modelo diferente
É por isso que hoje temos o Dia%, mercado de vizinhança do Carrefour, e os Extra Fácil e Extra Super, do Pão de Açúcar, para atender os consumidores que compram com mais frequência e em menor quantidade, e os produtos da Kraft sendo vendidos em embalagens com menos conteúdo para baixar o preço e caber no bolso de consumidores do nordeste que não têm as mesmas rendas dos grandes centros quando falamos de cesta única de compra. A empresa que fabrica o Trakinas foi além e criou uma divisão no nordeste para atender o consumidor das classes C, D e E, que, juntos, são muito maiores que a AB.
Estamos falando de um contingente de nada menos do que 165,7 milhões de pessoas. Segundo o estudo “Tendências da Maioria”, do Datafolha/ Data Popular, só na classe D, o movimento de renda é de R$ 381 bilhões, maior que os R$ 329 bi da classe B e muito maior que os R$ 216 bilhões da classe A. De agora em diante, eles comprarão suco pronto, massa instantânea, detergente líquido, molho de tomate, creme para cabelo e amaciante de roupa. E o que você vende para essas pessoas?
Essas que são as pessoas diferentes, que compram de forma igualmente diversa. Por isso, a Nestlé criou o Nestlé Até Você, elaborando seus canais de distribuição e sendo ela mesma distribuidora de seus produtos, mas não de maneira convencional, afinal, tudo que não podemos fazer neste momento é pensar no padrão. Por isso, a empresa suíça se reinventou e criou o Nestlé Até Você em 2006 e hoje tem penetração em 98% dos lares do Brasil.
Um caso de sucesso
O projeto é um programa para revendedores de produtos de nutrição, saúde e bem-estar da marca. A estratégia é fazer com que os revendedores ofereçam estes produtos para os vizinhos da comunidade que representam a base da pirâmide. É o famoso porta a porta, venda direta igual Avon e Natura. O programa abrange os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Paraíba, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Bahia, Alagoas e Brasília e deve chegar a 150 mil revendedores. Para criar o projeto, a Nestlé desenvolveu um estudo em todo o Brasil. Para isso, os diretores da marca passaram alguns dias nas casas das consumidoras acompanhando o dia a dia delas durante cerca de um ano de pesquisa.
O Marketing e a comunicação do Nestlé Até Você são feitos exclusivamente pelas próprias revendedoras. Elas têm acesso a folhetos e também a um carrinho feito para circular pelas comunidades e armazenar os produtos. Quando o assunto é comunicação, este é o caminho. Bem diferente do que fazem Casas Bahia e Magazine Luiza, capazes de investirem dezenas de milhões de reais, para não dizer centenas, anunciando em lugares onde sequer têm lojas. Este é o maior exemplo, pelo lado inverso, de nosso segundo ponto de discussão, a comunicação.
Quando entramos no mundo da publicidade vemos caminhões de dinheiro sendo jogados em lixões. Veja que contradição, além de anunciar num mercado onde não se tem loja. Hoje, as classes A e B estão na internet e a televisão é um meio em que predominam as classes C, D e E. Mas, embora haja um equilíbrio de anunciantes, ainda vemos muitos anúncios cujo produto somente pode ser comprado pelos mais abastados. Um exemplo matador: carro. Todo intervalo comercial tem pelo menos um anúncio de carro. A maioria é de carrão ou um de média categoria moderninho. Populares são poucos. E quem vê TV? Justamente o consumidor que pode comprar apenas carro popular, quando pode.
A grande questão da segmentação é o trabalho que ela dá. Infelizmente, ainda há profissionais de Marketing, e principalmente publicitários, que não gostam de trabalhar muito. Poucos vão além do feijão com o arroz. Da famosa mídia da mãe. É por isso que muita empresa deixou de existir na virada do século. O mercado mudou, o consumidor mudou, mas nem todos que vendem mudaram. Será que não está na hora?
Por Bruno Mello
Fonte: Mundo do Marketing